On The Mode of Existence of Technical Objects

Publicada este ano, 2017, a tradução de MEOT para o inglês apresenta materiais pouco conhecidos da obra original de Simondon: além de um [Summary] escrito pelo autor, contém ainda um [Prospectus], uma Apresentação, totalizando cerca de quatro páginas retomadas e traduzidas do texto de 1958, materiais que foram suprimidos na edição de 1989 francesa, da Aubier, e da tradução de 2008 para o espanhol, pela Prometeo.

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Abaixo uma versão em português do Sumário:

Sumário de Do Modo de Existência dos Objetos Técnicos

Gilbert Simondon

O presente trabalho trata da essência dos objetos técnicos e de sua relação com o homem. Embora o objeto estético tenha sido considerado material adequado para a reflexão filosófica, o objeto técnico, tratado como instrumento, só foi diretamente estudado por meio das múltiplas modalidades de sua relação com o homem como realidade econômica, instrumento de trabalho ou, ainda, de consumo.

O caráter não essencial do conhecimento do objeto técnico em relação às suas diferentes relações com o homem contribuiu para mascarar uma tarefa que se incumbe ao pensamento filosófico: redescobrir, pensar um aprofundamento da relação que existe entre natureza, homem e realidade técnica, a carga da realidade humana alienada que está encerrada dentro do objeto técnico. O objeto técnico, tomando o lugar do escravo e sendo tratado como tal através das relações de propriedade e de costume, liberou apenas parcialmente o homem: o objeto técnico possui um poder de alienação porque está em si mesmo num estado de alienação, mais essencial do que econômica ou social.

A importância dos objetos técnicos nas culturas contemporâneas requer ensinamentos filosóficos para fazer o esforço de reduzir a alienação técnica introduzindo na cultura uma representação e escala de valores adequados à essência dos objetos técnicos.

A descoberta dessa essência deve ser levada a cabo através do estudo da gênese dos objetos técnicos, completando-se por meio de um processo de concretização que é diferente das correções empíricas sucessivas e da dedução de princípios teóricos anteriores: há uma gênese específica do objeto técnico.

Um estudo histórico permite a descoberta da função reguladora da cultura na relação entre o homem e o objeto técnico, especialmente através do fundamento normativo das manifestações sucessivas do espírito enciclopédico, do tecnicismo dos sofistas à teoria cibernética, passando pela consciência aberta e autônoma da obra de Diderot e d’Alembert.

Finalmente, um estudo das modalidades contemporâneas da relação entre homem e objeto técnico mostra que a noção de informação é a mais adequada para realizar a integração da cultura com um conteúdo representativo e axiológico voltado para a realidade técnica encarada em sua essência, com o homem se tornando, após a invenção, o centro ativo e ator que sozinho pode trazer à existência um mundo tecnológico coerente.

E abaixo a Apresentação, também escrita por Simondon em 1958:

O livro intitulado Do Modo de Existência de Objetos Técnicos tem como objetivo introduzir na cultura um conhecimento que seja adequado a objetos técnicos considerados em três níveis: elementos, indivíduos, conjuntos. Uma lacuna se manifesta em nossa civilização entre as atitudes que o objeto técnico provoca no homem e a verdadeira natureza desses objetos; a partir dessa relação inadequada e confusa, um conjunto de valorizações e desvalorizações mitológicas surge no consumidor, no fabricante e no trabalhador; para substituir esse relacionamento inadequado com uma verdadeira relação, é preciso tomar consciência do modo de existência dos objetos técnicos.

Essa tomada de consciência acontece em três estágios.

A primeira busca compreender a gênese dos objetos técnicos: o objeto técnico não deve ser visto como um ser artificial; o sentido de sua evolução é uma concretização; um objeto técnico primitivo é um sistema abstrato de modos de funcionamento parciais isolados, sem base comum de existência, sem causalidade recíproca, sem ressonância interna; um objeto técnico perfeito é um objeto técnico individualizado em que cada estrutura é pluri-funcional, sobredeterminada; nela cada estrutura existe não apenas como órgão, mas como corpo, como meio, como base para outras estruturas; neste sistema de compatibilidade cuja sistemática [systèmatique] ganha forma como uma saturação axiomática, cada elemento preenche não apenas uma função no conjunto todo [ensemble], mas uma função no objeto técnico tornando-se concreta.

Essa noção de informação permite que a evolução geral dos objetos técnicos seja interpretada através da sucessão de elementos, de indivíduos e de conjuntos, de acordo com a lei de conservação da tecnicidade. O verdadeiro progresso dos objetos técnicos acontece por meio de um esquema de relaxamento e não de continuidade: há uma preservação ao longo dos sucessivos ciclos de evolução da tecnicidade como informação.

A segunda fase prevê a relação entre o homem e o objeto técnico, por um lado ao nível do indivíduo, e por outro, ao nível dos conjuntos. O modo de acesso do indivíduo ao objeto técnico é menor ou maior; O modo menor é o modo apropriado para o conhecimento da ferramenta ou do instrumento; é primitivo, mas adequado a este nível de existência da tecnicidade na forma de ferramentas ou instrumentos; torna o homem em um portador de ferramentas, de acordo com uma aprendizagem concreta, uma espécie de simbiose instintiva do homem e do objeto técnico empregado em um determinado meio, de acordo com a intuição e o conhecimento implícito, quase inato. O modo maior pressupõe a tomada de consciência das formas de funcionamento: é politécnica. A Enciclopédia de Diderot e d’Alambert ilustra a passagem do menor para o modo maior.

Ao nível dos conjuntos, a consciência que o grupo ganha de sua relação com os objetos técnicos é traduzida por diversos modos da noção de progresso, que são os vários julgamentos de valor feitos pelo grupo sobre o poder abrigado pelos objetos técnicos para facilitar a evolução do grupo: o progresso otimista do século XVIII corresponde à conscientização da melhoria dos elementos; o progresso pessimista e dramático do século XIX corresponde à substituição do portador da ferramenta humana individual pela máquina individual, correspondendo também à ansiedade resultante da frustração desse progresso. Finalmente, o que resta ainda a ser elaborado numa nova noção de progresso correspondente à descoberta de técnicas ao nível dos conjuntos da nossa época, em virtude de um aprofundamento da teoria da informação e da comunicação: a verdadeira natureza do homem não é ser portador de ferramentas e, portanto, um concorrente da máquina, mas a natureza do homem é a de inventor de objetos técnicos e vivos capazes de resolver problemas de compatibilidade entre máquinas dentro de um conjunto; ele coordena e organiza a sua relação recíproca ao nível das máquinas, entre máquinas; mais do que simplesmente governá-las, torna-as compatíveis, é agente e tradutor de informações de máquina para máquina, intervindo na margem de indeterminação presente no modo de funcionamento da máquina aberta, capaz de receber informação. O homem constrói a significação das trocas de informação entre máquinas. A relação inadequada do homem e do objeto técnico deve, portanto, ser compreendida como um acoplamento entre o vivo e o não-vivo. O automatismo puro, excluindo o homem e imitando o vivente, é um mito que não corresponde ao mais alto nível da técnica possível: não existe máquina de todas as máquinas.

Finalmente, a terceira fase de tomada de consciência coloca o objeto técnico de volta ao conjunto do real, buscando conhecer o objeto técnico de acordo com sua essência, de acordo com uma gênese da tecnicidade. A hipótese básica do emprego da doutrina filosófica consiste em supor a existência de um modo primitivo de relação do homem com o mundo, que é o modo mágico: a partir de uma ruptura interna deste surgem duas fases simultâneas e opostas, a fase técnica e a fase religiosa; a tecnicidade é a mobilização das funções figurais, a extração dos pontos-chave da relação do homem com o mundo; a religiosidade, ao contrário, refere-se ao respeito da função de base: é o anexo à totalidade como seu fundamento. Esta relação de mudanças de fase do homem para o mundo obtém uma mediação imperfeita através da atividade estética: o pensamento estético preserva a nostalgia da relação primitiva do homem com o mundo; é a neutralidade entre fases opostas; mas seu caráter concreto como construtor de objetos limita seu poder de mediação procurando ser funcional ou sagrado. É somente ao nível de ambos, do mais primitivo e do mais elaborado de todos os pensamentos, o pensamento filosófico, que uma verdadeira mediação neutra e equilibrada porque completa pode intervir entre as fases. É, portanto, apenas o pensamento filosófico que pode assumir o conhecimento, a valorização e a compleição da fase da tecnicidade no conjunto dos modos de ser do homem no mundo, por meio de uma meditação sobre a relação entre ciência e técnica, teologia e misticismo.


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